Inventário

Saí hoje usando minha calça jeans. Na sala de espera, conversei com uma moça que precisa sair para comprar pijamas. Ela tem dezoito pijamas. Ela precisa de pijamas de inverno. Eu só tenho uma calça jeans. É uma pantalona e tem, sentem-se, vinte e dois anos. Usada, usadíssima. Tenho uma “bolsona”, daquelas gigantes, camurça (perdão aos amigos veganos que amo demais, mas é). Ela tem oito anos de uso comigo, mas antes disso, foi da minha mãe por doze anos. Tenho mais umas quatro, todas assim, velhonas. Tenho um par de saltos de inverno preto e dois marrons. Cada um deles, mais de quinze anos de uso (sei disso porque Alexandre era vivo quando os comprei e usei muito para sair com ele. Aliás, me desvio um segundo do assunto, para dizer que minha vida de viúva se divide em antes do Alê morrer / depois do Alê morrer. Não sei se isso é horrendo ou fofo ou patético, mas é assim). Minhas sapatilhas têm, com certeza, década e meia de uso. Tenho duas canetas tinteiro, uma que ganhei do Claudio Luiz, Ana Paula Medeiros e amigos (eles nem lembram disso mais) quando do lançamento do “Sonhei que a neve fervia”, em 2012, e uma que meu pai ganhou no ginásio, nos anos 1950. Uso as duas diariamente. Guardo o primeiro par de brincos que minha mãe me deu na terceira vez em que tentamos furar minha orelha, 1987, Lojas Americanas. Tenho catorze vestidos. Sim, o número me deixou aturdida. O mais novo foi comprado em 2000, o ano em que casei no papel, porque meu abençoado marido de Garanhuns não podia conceber “me tirar da casa de meu pai” e não me “dar uma situação”. Dar uma situação, pro Alê, era casar comigo no papel. O que fiz de vestido novo. Daí eu volto pra guria da sala de espera. Um amor de criatura. Não, esse não é um texto para “condenar o consumismo”, que não faço isso nunca, não panfleto nem quando sou paga. (Uma vez, numa mesa de bar, pensei alto sobre como me espanta ver crianças tão grandes andando de carrinho e que isso me parece um lance recente. Eu não estava criticando ninguém, nunca criei filhos, não entendo nada sobre isso. Só falei do que observo, vejo criançonas em carrinhos mais agora do que antes e me pergunto o motivo. Tinha um pai à mesa que, na defensiva, só faltou me bater. É isso, às vezes esqueço de explicar: sou uma observadora nessa vida, não estou falando mal, não estou julgando, não sei da vida de ninguém e uma mulher que tem a quantidade de livros que tenho, não pode falar do consumismo dos outros, ainda que fosse o caso). Mas, enfim, volto à minha amiguinha na sala de espera. Ela falou sobre os novos pijamas de que ela precisa (tudo bem, sou mala, critico um pouco nosso uso do verbo “precisar”: preciso de férias, preciso de pijamas, preciso de livros). De qualquer forma, fui escutando a guria e pensando que, do mesmo jeito que tem gente nesse mundo que ama uma coisa nova, deve ter toda uma categoria de gente que nem eu, que sente prazer em usar coisa velha. Não estamos certos, não estamos errados, só gostamos do que gostamos. Olho pra minha bolsa de vinte anos e sorrio quando me lembro que vou usá-la amanhã. Amos meus vestidos, amo ainda caber no meu jeans, porque, diabos, que alegria do caralho usar uma calça que ia comigo para a faculdade, para a produtora, para Barcelona, para os museus, para o Piccolo, para o ambulatório de Viagra (sou de humanas, tive empregos que vocês não acreditariam), para os shows do Premê. Amo minhas sapatilhas velhas e lindas e sofro quando cada uma delas morre e vai pro céu dos sapatinhos de lacinhos. Era isso só. Procura-se alma-gêmea pra ter com quem conversar sobre a imensa alegria que sentimos ao usar uma camiseta de 2008, ler um livro meio mofado dos anos 1960, sentar sob o sol usando a mesma saia que usávamos nos anos 1990 para ferver na Franz Schubert. Vou dormir agora (são 20h, não fervo mais um lugar algum), com um pijama que tem mais de onze anos. Amo vocês, estava com saudades. Devagar a vida volta.
PS: Nem perguntem sobre a situação dos meus pijamas. Vamos permitir que algum mistério sobreviva entre nós.
a Dê fez pijama novos, de flanela, para todo mundo aqui. Ganhei um com bacons e outro com constelações. Como vc nos inguinora e não vem nos visitar, fica sem ganhar um, também…
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eu amo coisa usada. coisa usada de gente que amo então….. tenho um suéter que é “o suéter de ficar em casa”, maravilhoso, de linha tricotada. eu mesma tenho ele há uns 25 anos. mas antes era da minha amiga Paula, que não sei quanto tempo usou. sei que o suéter tá lá, firme e forte, bonzão. começou a esfriar, ele sai do armário e vem pro encosto da minha cadeira.
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Velharia, ah, é com a gente ❤
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Oi,Fal:
eu tinha perdido o Drops.Mas hoje te achei no twitter e te deixei um recadinho.
Bom te ler de novo.Saudades…
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Fatima que-ri-da ❤ ❤ ❤
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Ah, e pijamas, tenho muitos, a maioria são camisolas de verão que não uso porque já não servem (engordei). Tem 2 de flanela, 2 de manga comprida (de malha), 3 médios (de manga curta, de malha), e várias camisolas de verão. Fora camisetas velhas.
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Val, querida ❤
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Adoro coisas que duram bastante. Faz uns 2 anos que não compro roupa nova, por motivos de falta de grana. Minhas bolsas, a maioria são de couro verdadeiro, e algumas tem mais de 20 anos (tem uma herdada da Mamma que com certeza tem mais de 40 anos, pelica vermelha, forro de seda e ziper de metal), calça jeans tem 2, ambas com 5 anos pra mais. Sabe, eu gosto de ter coisas que duram, coisas de boa qualidade, sejam roupas, sapatos, bijus, bolsas, e até eletrônicos. Inclusive, acho mais ecológico que bolsa de “couro sintético” que dura menos de 2 anos, ou modinha (termo antigo pra fast fashion) que muda a cada estação.
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Amamos uma tranqueira velha, né, Val??
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Que texto! Que coisa boa ele deixa quando terminamos de ler! Fico aqui pensando no que tenho de mais antigo, inventário de mim.
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Anna: que bom saber disso ❤ Me conta!
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Aprendi por experiência própria a nunca, jamais, comentar em público a questão das crianças grandes andando de carrinho. Mas aqui posso falar: elas estão crescendo e se transformando nos jovens que sentam no vagão de metrô, corpo mole demais pra aguentar ficar em pé. Quanto ao assunto do post, tenho coisas velhas, coisas novas e não resisto a comprar mais um pijama quando tenho a oportunidade.
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sentam no chão do vagão de metrô!
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Tathy: faz todo o sentido do mundo. E sobre pijamas: quem resiste, miga???
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Que delicia de texto e que delicia de costumes. Amo livros usados (e novos). Amo camisetas velhas e jeans surrados.
Mudei de corpo e de peso depois da menopausa. Ganhei 20 quilos e perdi a roupa. Oh!
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Roupas vão e vem, Nora, vc é pra sempre ❤ ❤ ❤
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Mana, nunca estivemos tão juntas…
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Naty, miabraça.
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Me identifiquei um pouco (na parte crítica: em ter livros – amo – e consumismo.
Ps.> Tive que comprar roupas novas pois mudei para um país bem frio e eu não tinha “nadica de nada” rsAbraços
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Ilma, que delicia, pra onde vc mudou!?
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Eu gosto dos dois. De coisas velhas, velhas, que sempre foram minhas ou que já passaram por outras mulheres da família, namorados, marido, e gosto de coisas novas também. Mas a verdade é que me dói muito mais ter que me desfazer de uma velhinha, ou porque está puída além de qualquer remendo ou porque meu manequim cresceu dez números (ou cinco, já que eles só vêm em números pares, praise be) do que doar uma que comprei, experimentei cinco vezes antes de sair e acabei abandonando em cima da cama pra vestir uma que me acompanha há anos. Sou assim com roupas, sapatos, bolsas, perfumes e sempre, claro, com gente também.
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Cyn, é uma tristeza a despedida dum bom par de sapatos. a verdade é essa. gente, well, tem uns que, né. hahahaha, ai, a fofoca.
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Suas entrelinhas são sempre o melhor da festa. ❤️
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Mônica, hola, mi amor ❤ ❤
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Eu tenho roupas mais velhas que a minha sobrinha mais velha, que tem 25 anos. E amo cada manchinha, cada rasgado, cada pingo de água sanitária.
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Fabrícia, hahahaha, roupas mais velhas do que os sobrinhos, um crássico.
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Uaaaaau!
Sua escrita escorre por meus olhos/alma adentro.
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Ô Marinaide ❤ ❤ ❤
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Eu tinha uma mont blanc que comprei em 1994, mas meu cachorro (o Freud), a destruiu em 2010!
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Nelsão, Freud, aquela alma vingativa.
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Hahaha, adoro. Brinco que minha casa é um topa tudo de móveis que foram de alguém…acho esquisito demais trocar as coisas boas por piores e uso minhas roupas até virar caquinhos, quanto gosto. E Allstar, milhões, porque depois de uma hérnia de disco em 2000, é o único calçado que não me deixa doloridona. Beijocas. Ah, pra dormir mudinhas de malha, bem velhinhas.
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Ritinha, mudinhas velhas pra dormir, melhor coisa duma vida.
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